Numa viagem ao futuro foi encontrada uma entrada numa enciclopédia erudita sobre a nova geração de 70 em Portugal; esqueçam lá os Anteros que, de momento, o que importa é essa corrente que se tornou vanguardista quando já ninguém acreditava em vanguardas pelo facto da pós-modernidade ser considerada como a Era do «isso já foi feito», com uma propensão vincadíssima para o pastiche, como foi referido por Frederic Jameson num livro que já li em tempos, mas que, de momento, não me recordo o nome. Dessa entrada consta o seguinte:
A nova geração de 70 que nos circuitos de sociabilidade mais populares era comummente referida como a geração enrabada e pelos germanistas - refiro-me àquele chato que escrevia textos intragáveis no Mil Folhas, João Barrento - como a "enrabada Erzeugung" é, a todos os títulos, a geração literária mais insólita e inovadora desde a aparição dos modernistas em Portugal. Apesar de terem crescido e vivido num contexto histórico de enganos, ilusões e equívocos, os seus membros, ao contrário dos neo-realistas, não transpuseram para a sua obra nem temas nem conteúdos de cariz político e social, tendo chegado mesmo a criar alguma aversão àquilo que os franceses designam por escritor engagé, figura tão defendida pelo existencialista zarolho Sartre que, por sinal, teve um funeral mais aparatoso em termos de adesão popular do que a Amália, o Cunhal e o Eusébio. São estas injustiças que vão manchando a marcha da história e nos vão provando que, afinal, o Homem é uma criatura imperfeita que se aproxima menos de Deus do que dum esgoto rodeado por Fubus de chapéus da Nike na Buraca.
Mas voltemos ao que realmente interessa. Nascidos no período revolucionário em Portugal, os membros dessa geração que não pertenciam à Noblesse d'État cresceram, contrariamente a muitas das gerações anteriores, na estúpida ilusão que isto de vingar na vida não era só ler, escrever e contar e, em vez de terem aderido em massa aos trabalhos rudes do campo que continuassem a fazer prevalecer a sua imagem de Homo Broncus de unhaca grande no dedo mindinho, típico das terras lusitanas, trilharam o caminho da sabedoria e do conhecimento que a geração anterior, já bem instalada na vida, os fez acreditar que iria conduzir o país rumo à modernidade e à bonança. Mas eis que já maduros, após a invariável leitura de autores importados, porque os de cá, como sempre, produzem as suas obras como espécies de compilações de notas de rodapé de autores estrangeiros, chegam à triste constatação que o ideário da Terceira República não passou de mais um malogro histórico deste país já tão habituado a Condes da Ericeira e a desaires suicidários. Já conscientes que a teoria das vantagens comparativas de David Ricardo, curiosamente descendente de portugueses, estaria para durar, aperceberam-se que, ao nível da tecnologia, o melhor era deixar a coisa para quem realmente a soubesse fazer, como os japoneses, os americanos, os filandeses e até mesmo os espanhóis, e contentarem-se com as ridículas descobertas científicas dos investigadores portugueses, normalmente relacionadas com a forma mais ergonómica de fazer ressonâncias magnéticas de modo a descobrir-se o bacilo de Bremen na zona lombar, de Bremen, precisamente por ter sido descoberto nesta cidade hanseática alemã.
De tudo o que foi aqui dito, deduz-se que, inversamente ao que lhes fora prometido, continuaram a viver numa pobreza atávica, o que para estes marginais da sempre anacrónica Noblesse d'État portuguesa, constituiu-se como uma oportunidade única para se lançarem na mais destemida aventura demiúrgica de que há memória em Portugal. Tiradas as informais fotografias, como o fizeram os surrealistas em França, lançaram mãos à obra e fizeram desabrochar o seu génio, todo ele carregado por uma espécie de revolta resignada. E as perguntas que se impõem por agora são as seguintes: será que a impostura por eles vivida fez com que se tornassem escritores revolucionários com ambições de mudar o status quo tipicamente nepotista da sociedade portuguesa? A resposta descamba aqui num rotundo não; será que esse mesmo contexto favoreceu a criação de uma nova geração de vencidos da vida? A resposta descamba de novo para outro não menos rotundo não; então de que era, afinal, constituída essa cepa de diabólicos escritores? A esta última pergunta não há resposta consensual possível, visto que vivendo em condições propícias para uma nova espécie de realismo literário, refractaram-se estranhamente a essa via e, em vez de temas tão clássicos como a iniquidade e a corrupção perpétua existente no seio da sociedade portuguesa, resolveram sublimar a coisa e num estilo estranhamente metafórico para uma sociedade aberta, enveredaram por temas tão insólitos como o fazer cócó Edipiano, ou seja: «estou-me já a cagar para a política e para a figura do pai e nosso Deus que é o Estado»; betoneiras libidinosas em homenagem ao autor de culto desta geração, a saber, o magno e não menos excêntrico Karl Butolwsky; sanitas voadoras que indicavam o desejo recalcado de que toda a excrescência existente por cá fizesse uma volta ao mundo não em 80, mas nos restantes dias da sua acabrunhada existência, e assim por diante. É claro que este grupo literário sempre recusou estas interpretações de vinculação política, porém, os mais engenhosos exegetas não deixaram de atribuir a estes excelsos conteúdos metáforas de carácter político e ideológico. Para finalizar o artigo, há ainda a referir que assim como eram originais no estilo e no conteúdo, também eram irascíveis na forma como tratavam os seus adversários, tendo ficado célebre o episódio em que após ter sido comunicado por mail a um dos seus membros a recusa de uma oferta emprego, este recorre ao mentor Butolwsky e responde citando-o da seguinte forma: «O triunfo seminal de cada conquista encontra-se no crepúsculo das coisas desordenadamente equivalentes». Embora lhes fosse alheia na propriedade, não tendo sido pagos os respectivos direitos de autor à família Butolwsky, esta frase constituiu-se como o cânone maior e eterno desta geração drasticamente simbólica.