Vamos logo ao que importa. O que se impunha nas questões levantadas aqui e aqui é que existisse um Bourdieu que fizesse uma espécie de "As Regras da Arte" do meio literário português. Um Pierre Bourdieu, repito, e não um João Pedro George que quando foi ao programa do Francisco José Viegas mostrou-se claramente confuso e titubeante quando teve de explicar do que trata realmente a sociologia da literatura. Porém, no meio de tanta hesitação ainda conseguiu criticar (brilhante, João!) o conceito de campo que, por definição, tem um alcance heurístico vastíssimo.
E o propósito de estar a evocar para esta questão um sociólogo e não um crítico literário prende-se com duas ordens de razões:
1 - Bourdieu utilizou o conceito de campo e de "habitus" (as disposições dos actores a partir da posição que ocupam num determinado campo social, seja ele económico, cultural ou político) de modo a analisar as regras do jogo dentro de um determinado campo social, neste caso concreto, o literário;
2 - Bourdieu ao fazer uma análise externa da criação das obras literárias em França desmistificou a ideia do génio criador (o que não é claramente o caso de LMR), realçando, e enuncio aqui em termos básicos, que a emergência de uma obra ou de um autor é toda ela determinada por condições externas à obra e que se trata, antes do mais, de um jogo de forças levado a cabo pelos actores situados dentro de um determinado campo social de modo a colocar-se um autor no centro ou na periferia desse mesmo campo. Como se pode depreender facilmente, este tipo de pensamento causou mau estar nos meios ligados à criação e à cultura em França, pois foi precisamente colocar em causa tudo aquilo que conferiu ao longo dos tempos um estatuto de excepção aos artistas e escritores, a saber, a aura que lhes era conferida pelo génio da obra.
Assim sendo, e querendo ser muito breve, volto a reiterar que relativamente à obra de Luís Miguel Rocha, o que se impunha não era de facto um esclarecimento sobre o valor da obra em si, a verdade incómoda que este tanto faz gala em anunciar, mas sim, uma análise externa que nos permitisse perceber quais são as "forças" e os jogos de "forças" que permitem que aquilo que deveria estar na periferia, de novo Luís Miguel Rocha, passe assim de repente para o centro do campo. A presença na apresentação do livro de uma figura tão proeminente do meio literário e dos meios de comunicção social portugueses como o é Francisco José Viegas (e eu que tanto te admiro!) é bastante elucidativa e esclarecedora relativamente àquilo que quero dizer e, assim sendo, faz-nos perceber que um campo, o literário, vai buscar uma figura central de dois campos, o literário e o mediático, para conferir qualidade (o que duvido) e visibilidade (o verdadeiro propósito da coisa) a um livro que não andará muito longe do horizonte de Jean Baudrillard quando este se refere aos livros de supermercado numa das suas obras capitais, A Sociedade de Consumo. Todas as questões aqui levantadas importariam ser analisadas para que daí fosse possível sinalizar e compreender todo o esforço de bastidores que de certeza foi levado a cabo por LMR para que do nada já surja com a aura, que no caso dele é pérfida, de escritor. E digo tudo isto para homenagear Bourdieu e para que não nos esqueçamos que " La sociologie est un sport de combat".
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