Este texto é especialmente dedicado ao meu grande amigo Jorinhs que colocou um jovial sorriso no rosto e tornou possível um ano des-continuum neste blogue. E vivam os hapax existenciais! se não sabem o que é, olha, temos pena!
Comemorar a entrada num novo ano é sempre algo que carrega a sua dose de absurdo porque existe um continuum entre o dia 31 e o dia 1, ou seja, não há nada que me faça crer que após o regozijo das massas com os já tão estafados espectáculos pirotécnicos venha daí uma ruptura que, como diria uma candidata a miss ao estudar o discurso no caso de uma eventual vitória: «faça com que se acabe a fome no mundo, as guerras, a pestilência, as crianças subnutridas, a violência doméstica tanto da parte dos homens como da parte das mulheres, sim, porque esta também existe, está é mais camuflada». Bom, devia ter terminado as aspas muito antes porque uma miss não teria estofo para dizer tanta coisa, pois isso seria entrar num mundo panglossiano que conciliaria a gaja boa com a gaja que pensa e, a haver mulheres assim, não acredito que se exponham a espectáculos tão decadentes.
Mas todos nós sabemos que é na festa que o povo amansa e esquece as agruras do seu quotidiano triste e carregado de misérias psíquicas pelo horizonte pobre que é a sua perspectiva do real, todo ele contaminado por aquilo que Perniola denominou por mediacracia e que faz com que a experiência do sentir não seja algo de íntimo, que venha do interior de cada um, mas algo que já está pré-estabelecido pela máquina sensológica, que nas sociedades pós-industriais faz com as sensações aquilo que a burocracia fazia quando o Estado tinha de organizar a acção dos indivíduos. O que quero dizer é que, nos dias de hoje, há uma máquina que organiza aquilo que as pessoas vão sentir e para exemplificar, posso afirmar que quando saí de casa no domingo à noite já sabia e antecipava o que me esperava. Sabia que ia enfardar e beber de modo pouco frugal, sabia que ia ver mais parolos na rua do que é habitual e sabia que todos esses mesmos parolos iam tentar colocar uma pose de falsa de felicidade, ou seja, como um pacto que diz: «Nesta noite, mesmo que te caia um braço e violem a tua avó tens de estar feliz e animadinho! Não te quero ver assim triste, está bem? prometes?!». E, depois disto tudo, o que lhes resta? Eu repondo, o vazio. Porque no dia 2 vão ter de aturar a besta do chefe, as indisposições sexuais da esposa, o crédito para pagar a televisão plasma porque o vizinho comprou uma e eles não querem ficar atrás.
Por isto e por muito mais, aqui na trissomia resolvemos mandar à merda o calendário gregoriano e num acto de imponderada loucura estamos a pensar recuar a 1793 para reinstaurarmos o calendário revolucionário republicano, pois seria a melhor forma de comemorar com as pessoas de uma forma mais genuína. Primeiro, porque pouca gente sabe o que foi a Revolução. Segundo, porque muito menos gente sabe que durante doze anos o calendário gregoriano foi substituído pelo calendário da Revolution. Dessa forma, haveria menos gente a desejar-nos hipocritamente um excelente novo ano, quando no dia-a-dia passam por nós e pensam que somos o Luís, quando afinal somos o Pedro. Enfim, mas é sempre bom haver uma noite de suspensão dos rancores para esboçarmos os pré-fabricados sorrisos da felicidade! Como tal, desejo tudo de bom para o instante porque para as almas intempestivas não há passado nem futuro.
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