Vila-Matas criou uma personagem que surripiava a intimidade e as conversas dos outros, num autocarro específico de Barcelona. Era essa a minha esperança para Ermenudeu Lá Lá, mas num registo diferente, mais trágico. Ermenudeu esperava que, em cada paragem, entrasse uma gaja boa, ainda mais porque nenhum dos veículos que frequentava tinha por destino a Amadora. Mas, para seu azar, aquilo era uma pilha frenética de velhos a entrar, todos muito reumáticos, curvados e apoiados em bengalas.
Um deles, chegou a atirar o seu último dente, um molar, à fronha do condutor. Outro, muito nervoso, chorava de comoção ao avistar o Santa Maria. «Estou salvo». E, com isto, Ermenudeu conveceu-se que o mundo não é perfeito e passou a andar de metro. Sem resultado, pois os cegos substituíram os velhos, e as garrafas de água do Luso a chocalhar moedas o odor fétido de Xano, o agarrado, sempre prostrado no banco de trás.
O mundo é um lugar estranho, sempre cheio de obstáculos à ordem de homens sensíveis como Ermenudeu. Estranho, quando não ausente, porque a maior dor de Ermenudeu era que a sua vida fosse sempre feita de expectativas, não as suas; mais grave, a dos outros. Sempre os outros, porque mesmo os Xanos, ainda que por minutos, acabam por ter algum pendor na impostura que é esta presuntiva tentativa de vida, aliás de fôlego, sem que a asma (me, te, vos) condene. (aqui, uso a asma como expressão figurada da morte em vida)
Thursday, January 29, 2009
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