Saturday, August 16, 2008

Um reparo

No meu último post, como referência, surgiram apenas os pós-modernos com óculos de massa que, para citar Bourdieu, têm como habitus a reprodução de um gosto, de um estilo, de uma tendência ou qualquer coisinha mais que eles queiram. Com isto o sociólogo francês quis provar que a estética, desmistificando a teoria de kant, não tem nada a ver com o génio individual de um artista em particular, mas com uma construção social que cria um determinado estatuto a quem dela se apropria. Mas, para o caso, e como estamos a falar da Radar, até é um desperdício estar a evocar um dos nomes cimeiros da intelectualidade francesa do último século, pois o que eu queria mesmo referir, e peço desculpa aos pós-modernos com óculos de massa, é que a tal lista também contempla jovenzinhas depressivas, sensíveis e, que na sua deriva neurótica, cortam superficialmente os pulsos para chamarem a atenção de meio mundo. Basta pegar no caso de Damien Rice e percebemos que essas jovenzinhas também estão na rota dessa grande rádio que, em Portugal, dita todas as grandes tendências. Posto isto, voltarei a uma análise da Radar em ocasião oportuna.

3 comments:

Anonymous said...

Estes textos sobre a Radar deixaram-me a pensar...
Não tanto pela legitimidade da crítica, que é óbvia, indiscutível. A democracia existe para que possas revelar ao Mundo todo o ódio e censura que te merecem estas playlists feitas à medida do “pacóvio” mais desprovido de bom gosto.
O que me dá que pensar é o facto de, bem vistas as coisas, esta extensa lista que nos apresentas integrar mais de duas dezenas (ia escrever mais de três dezenas, mas não vou tão longe) de músicas, projectos e/ou autores de que gostas (ou já gostaste), que ouves (ou já ouviste), ou que elogias (ou já elogiaste, inclusive neste blog).Porque é que omites esse facto? (não é uma pergunta irónica. É mesmo curiosidade).
Já agora, só para perceber-te melhor, pode saber-se se o facto de essas músicas, autores e/ou projectos integrarem a playlist da Radar vai fazer com que passes a gostar um bocadinho menos deles? Ou, no limite, se vais recalcar e renegar esse gosto?
Uma coisa me parece óbvia: a rádio (seja ela a Radar ou outra qualquer) não é feita para um indivíduo. É feita para um universo de indivíduos. Logo, tem ser o mais abrangente possível. Para o primeiro caso, o dos indivíduos e da sua satisfação pessoal, existem coisas como as aparelhagens, os leitores de mp3 ou os iPod. E basta recordar experiências como a defunta Xfm para perceber que um projecto de rádio não pode ser feito apenas à medida do ego de quem lá vai “passar uns discos”. Quer dizer... poder, pode. Mas não sobrevive.
Podes argumentar que essas rádio “deviam sobreviver”, ou defender que a inviabilidade desses projectos “é um sintoma da falta de cultura deste país indigente”. Até pode ser. Mas não vou discutir gostos. Porque não me sinto no direito de colocar os meus numa prateleira de superioridade moral. Gostos? Obviamente terás os teus, eu terei os meus, a Radar terá os que entender à luz do projecto que definiu.
Portanto o que posso discutir é esta tua aparente incapacidade de perceber que há vida além do teu gosto pessoal. E, a reboque, alertar-te para outra coisa que talvez não te devesse ser tão desprezível:
se calhar, no futuro, haverá um número considerável de gente que pode vir a gostar da música que tu gostas e da música que tu ouves, precisamente porque, na sua adolescência ou juventude, teve a sorte de se cruzar com uma estação de rádio que, apesar de formatada na sua mediania, sempre faz por lançar algumas pontes para as margens do lado de fora da vulgaridade. Como aqueles sons que tu ouves e que, (in)felizmente, eles também passam.

Abraço,
Adriano

Anonymous said...

Conseguido o objectivo, que foi o de provocar uma certa ira num dos recessos do teu ser, vejo-me obrigado a discordar totalmente contigo. Por duas ordens de razões.

Primeira. A ira também povoa algum dos recessos da minha pessoa, e se há coisa que me irrita são pessoas que se tomam ou julgam provedoras do bom gosto musical. A esse respeito, o caso da Radar e dos profissionais que lá trabalham é flagrante e sintomático.

Segunda. Na sequência do que foi dito, passo a citar uma frase tua que merece uma análise mais cuidada: "se calhar, no futuro, haverá um número considerável de gente que pode vir a gostar da música que tu gostas e da música que tu ouves, precisamente porque, na sua adolescência ou juventude, teve a sorte de se cruzar com uma estação de rádio que, apesar de formatada na sua mediania, sempre faz por lançar algumas pontes para as margens do lado de fora da vulgaridade. Como aqueles sons que tu ouves e que, (in)felizmente, eles também passam". Já passámos o século XVIII, ou seja, o das Luzes, que pelos vistos não teve grande eco em Portugal, e tu vens-me dizer que são uns tipos de Lisboa que dão a oportunidade às gerações vindouras de ouvirem boa música, ou melhor, "lançar algumas pontes para as margens do lado de fora da vulgaridade"? O que é isto se não pedantismo e tomar para os respectivos umbigos o exclusivo daquilo que é bom ou do que não vale um peido? Melhor, pelos teus argumentos, fico com a sensação que as pessoas que ouvem boa música terão de ficar à espera da caução mediática de uma rádio para afirmarem: sim, senhor, isto é bom porque passa na Radar. E é aqui que entraria o projecto iluminista, que sempre se bateu para que o indivíduo fizesse valer os seus gostos, preferências ou escolhas sem estar à espera da sanção de terceiros. Só que, infelizmente, pelos teus argumentos, essa sanção ainda tem de vir de cima, de uma entidade com tipos escolhidos a dedo e que resolvem, com os seus gigantescos egos, o que tem ou não qualidade.

Para terminar, que isto já vai longo, quando o universo está organizado em rede, o Deleuze já o escreveu na década de 70, e se quiseres até podes consultar, apesar de ser de leitura monótona, deixa de existir um centro, o que leva a supor que as coisas surgem em grande medida de forma aleatória. Isto para te dizer que as mais de 30 bandas que eu ouço não foram descobertas através de um ministério qualquer do bom gosto, mas através de toda uma série de plataformas que, felizmente, temos hoje em dia à nossa disposição. Basta ter vontade e ir à procura. Se gostas, ouves, se não gostas, fazes o mais sensato, que é apagar. Mas uma coisa não me terás visto com certeza a fazer: ir ver se as coisas passavam na Radar para aferir se eram dignas ou não de escuta.

Sugiro, portanto, que vás ao myspace e que tentes encontrar música que esteja fora do âmbito dessas "pontes para as margens do lado de fora da vulgaridade". Com certeza que encontrarás coisas muito boas que não precisaram da aprovação desses senhores. Ou melhor, que nem vem da parte deles, porque o que eles fazem é reproduzir as coisas que são consideradas boas a nível internacional.

Abraço

Filipe

Anonymous said...

Quem perder tempo a ler esta sucessão de argumentos pode pensar que tens sérias dificuldades de interpretar correctamente aquilo que lês. Para esses, portanto, deixo o aviso: este provedor de bom gosto musical com que estou a trocar ideias não é burro e muito menos analfabeto; dá-lhe é mais jeito deturpar as palavras dos outros para encontrar um encadeamento lógico que lhe permita sair dos becos argumentativos em que se enfia. Estilos. Uma questão de.

Comecemos pelas incongruências. “Se há coisa que me irrita são pessoas que se tomam ou julgam provedoras do bom gosto musical”, diz ele no comentário ao meu comentário. É a mesma pessoa, recorde-se, que escreve o seguinte no texto que deu origem a esta troca de opiniões: “Nesta triagem do bom gosto é sintomática a presença de (...) uma bela merda de banda, (...) uma excrescência musical aplaudida desde o gueto até aos meninos ipod, (...) outra grande merda de banda, (...) um autêntico vómito sonoro”. Agora convido-vos a reler a frase “se há coisa que me irrita são pessoas que se tomam ou julgam provedoras do bom gosto musical”. Confusos? Pois... Talvez aqui se aplique, mais do que nunca, a pergunta, “O que é isto se não pedantismo e tomar para os respectivos umbigos o exclusivo daquilo que é bom ou do que não vale um peido?”

A seguir, o jogo de cintura aplicado às palavras. Quando eu digo que poderá haver “um número considerável de gente que pode vir a gostar da mesma música” que ele por causa da Radar, deriva para a ironia com o século das Luzes e brinca com o alegado papel dos locutores da Radar na criação de oportunidades de ouvir boa música para as gerações vindouras. Mais à frente, refuta a importância desse papel e contrapõe com plataformas como o myspace para que todos possamos descobrir os verdadeiros sons que realmente interessam. Enfim, é a cegueira arrogante daqueles que só pensam a realidade que os envolve. Porque, convenhamos, não há de haver na zona de Lisboa jovens que só possam descobrir música através da rádio. Isso já não existe. É de outros tempos. Estupidez minha não raciocinar apenas com base na versão 2.0 da nossa juventude.

Por último, que também não me quero alongar, gostava (mesmo, mesmo) de perceber a génese de todo este ódio à Radar. Há algum trauma que eu desconheça? É estranho. Senão vejamos: O que é a Radar? É um projecto comercial, financeiramente alimentado pelo dono de uma empresa de produção de eventos musicais, que aposta num tipo de som supostamente alternativo ou rockeiro. As premissas são essas, claras, conhecidas de todos. Pegar neste quadro e elevá-lo a “um ministério qualquer do bom gosto” ou dizer que os profissionais que lá trabalham se “julgam provedores do bom gosto musical” é um exagero descabido. Porque pelo pouco que ouço (embora seguramente mais do que tu), não percebo onde vais buscar essas teorias do discurso arrogante, do pedestal do critério musical ou da formatação de gerações de falhados de óculos de massa sem fundo de educação musical. Os profissionais da Radar fazem o trabalho deles, de forma honesta, dentro das regras estabelecidas. Ouve quem quer. Eu ouço, porque 70% daquilo que passa entra no meu conceito de música fixe para ouvir enquanto conduzo ou enquanto me despacho para sair para o trabalho. Não os ouço para que me dêem um aval de bom gosto aos meus critérios musicais. É uma simples escolha. Não ouço a RFM, por exemplo, porque acho que o Oceano Pacífico não tem nada para me dar. E até posso, em conversa, dizer que não percebo o interesse daquela rádio ou dizer que a RFM é uma merda (que é!). Mas não me dedico a escrever dissertações para rotular de mongolóides os que fazem ou os que ouvem essa estação.

Mas isto sou eu. E cada um terá as suas motivações. Se calhar não te percebo porque não leio os iluminados que sentes necessidade de citar para justificar a mínima bufa que soltas. Admito que possa ser esse o problema. Meu problema.

Abraço,
Adriano