Thursday, June 29, 2006

A arte de opinar e tudo aquilo com que temos de levar

OPINIÃO
do Lat. Opinione
s. f., maneira, modo pessoal de ver; aquilo que se pensa sobre determinado assunto; ideia; juízo, parecer, voto; crença, credo político ou religioso; teima; convicção;


Ponto 1: Ter opinião é um acto inerente à condição humana. Independentemente das bases intelectuais, das capacidades de raciocínio, do background sócio-cultural ou dos dons de oratória, argumentação e fundamentação associados a cada indivíduo, todos temos opinião. É um facto, inquestionável. (Ok, até pode ser questionável se estivermos a falar de humanos com graves perturbações mentais, mas, como devem perceber, não é esse o caso em análise neste post).

Ponto 2: Aliada à capacidade de ter opinião, surge a faculdade de emiti-la. Faculdade essa, aliás, consagrada em forma de direito no artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. É também, portanto, um facto.

Ponto 3: Existe, se me é permitida a expressão, uma grande amplitude de ‘graus de opinião’, entendendo-se por esta expressão não a simples qualificação das opiniões como ‘boas’ ou ‘más’, mas sim o resultado natural de toda a envolvência da opinião propriamente dita. Ou seja, uma opinião comezinha, proferida em família, durante o jantar, sobre a eventual suprema qualidade de um sketch dos Batanetes é, por muito que nos custe, uma opinião. Da mesma forma que uma crítica violenta à falta de empenho do Ocidente na resolução dos problemas do Darfur, proferida por um alto quadro da ONU numa reunião do Conselho de Segurança é uma opinião.

Ponto 4: Quem tem opiniões gosta de emiti-las, lançá-las nos confrontos de ideias com outros indivíduos, colocá-las à consideração dos interlocutores. Por mais estapafúrdias e mal fundamentadas que elas se apresentem, é legítimo que quem tem opiniões as debite. Nem que as mesmas se apresentem como prenúncio de um universo de bestialidade mental. Em democracia é isso que acontece. E ainda bem. Porque nestas coisas dos processos de comunicação, temos também sempre presente a salvaguarda da liberdade de não ter de ouvir/ler/ver o que não queremos. É, também, um direito. Factual e inquestionável.

Ponto 5: Vivemos um crescente frenesim opinativo. Reduzindo a minha análise à realidade portuguesa, constato que a sociedade actual é, iminentemente, uma sociedade de opiniões. Toda a gente opina. Em todo o lado, a toda a hora, sobre todo o tipo de assuntos. Msmo que não os domine. Vivemos um período que se assemelha a uma deriva do estafado conceito cartesiano, para qualquer coisa como “Opino, logo existo”. Mas também neste ponto, a ‘gente que opina’ é passível de ser estruturada num amplo universo de, digamos assim, ‘graus de importância: uma coisa é ter a eloquência do discurso, a imponência da pose ou a versatilidade do raciocínio analítico de um Pacheco Pereira; outra coisa diametralmente oposta é a apresentação de argumentos mal esgalhados num qualquer xaroposo “Fórum TSF” ou “Praça Pública”.

Ponto 6: Se outrora o uso do espaço público para emissão de opiniões estava confinado a uma elite intelectual – privilegiada no acesso às fontes que possibilitavam a transmissão das suas ideias, convicções e, enfim... opiniões – o advento da internet e o posterior fenómeno da blogosfera veio acelerar a democratização desse acesso e refrescar o (até então) arcaico conceito de ‘espaço público’: os media, finalmente, como caixa de ressonância de todas as opiniões possíveis e imaginárias. Um cenário que pode ser analisado sob duas perspectivas. A Positiva: é bom, porque alarga o espectro de opiniões e de ‘opinadores’ sobre todo o tipo de temáticas. A negativa: é mau, porque este alargamento incorpora na sua essência mais de 95% de opiniões vazias, indefensáveis ou pura e simplesmente miméticas.

Ponto 7: O alargamento do espectro opinativo implica, forçosamente, a utilização de um filtro por parte do consumidor para a selecção daquilo que interessa. É o tal direito à liberdade de não ter de ouvir/ler/ver o que não queremos. Não gosto de um blog, não o leio. Não gosto de um jornal, não o leio. Não gosto de um comentador, não o ouço. Simples.

Ponto 8: Este alargamento do espectro opinativo colocou à disposição dos media mais tradicionais todo um novo universo de ‘opinion makers’. Com melhores ou piores exemplos, vários foram já os protagonistas que saltaram da blogosfera para os jornais, rádios ou canais de televisão. As escolhas feitas nesse contexto foram, também elas, elaboradas através da aplicação de filtros, de uma selecção, exercida consoante o âmbito de cada projecto e o perfil de cada ‘opinador’. Uma estratégia já aplicada um pouco por todo o lado, com resultados felizes ou infelizes. O julgamento máximo dessa felicidade ou infelicidade cabe ao ouvinte/leitor/telespectador, que avalia a aposta de cada meio nesse âmbito. E a resposta mede-se através dos resultados de audiência de cada órgão de comunicação social, baseados num reflexo simples: quem gosta vê; quem não gosta, não vê.

Ponto 9: Existem, porém, excepções a esta regra aparentemente simples. Um exemplo: eu quero ver um jogo de futebol, ou um resumo do jogo, e beneficiar do respectivo acompanhamento jornalístico. Gosto do jogo, mas não gosto do acompanhamento jornalístico que me é oferecido. O que faço? Tirar o som não é opção, porque gosto de ter som ambiente. Mudar de canal não é opção, porque quero ver o jogo ou o resumo. Fico, portanto, num dilema, que me leva às seguintes questões:

Quem foi o caralho que teve a infeliz ideia de convidar o alarve do Mozer para fazer comentários sobre o Mundial da RTP1? Que raio de filtro foi utilizado para escolher tão medonha criatura para analisar o que quer que seja? Com tanta gente nova a aparecer no últimos tempos no 'espaço público' com capacidades de análise clarividentes, válidas e lúcidas, porquê o Mozer, meus senhores?! Por ser brasileiro? Por ter sido jogador de futebol? Mas vocês pararam no tempo? Não sabem, como os outros, renovar o vosso leque de comentadores?

Se fosse num canal privado, a coisa até podia passar. Mas não: estamos a falar de um canal estatal, pago pelos contribuintes e cuja assinatura se arroga como sendo “serviço público”. Serviço público, meus amigos? Brincamos? Um homem que não sabe falar português? Um homem que não se sabe explicar? Um homem que não consegue articular duas ideias sem dar um pontapé na gramática? Um homem com claras dificuldades de compreensão? Um homem que não sabe ter presença? Um homem que, apesar do seu passado de futebolista, não sabe analisar uma merda de um jogo? Um homem que se limita a debitar banalidades?

Ide mas é bardamerda, senhores directores de informação da RTP. Sois pagos para saber que há casos em que nem o artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem se aplica. E um mongolóide armado ao pingarelho com meia hora de tempo de antena no horário nobre de uma televisão estatal é, claramente, um desses casos.

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