O que esperamos da arte? Emoção. Em traços gerais, a experiência estética, a relação com o objecto dito artístico, tem por finalidade o despertar de uma qualquer emoção. De uma forma redutora, os extremos que balizam essa nossa percepção da arte podem ser catalogados nas suas formas positiva (satisfação total) ou negativa (rejeição absoluta). No ponto central deste espectro de sensações estará - numa dimensão que anula o próprio pressuposto da experiência estética - a indiferença. É, digamos, o ponto neutro da nossa relação com a arte, que pode ser motivado por factores tão simples como, por exemplo, a banalidade e irrelevância do que nos é dado a experimentar ou a nossa incapacidade de apreender o que é comunicado, seja na forma de música, de filme ou de pintura.
Serve esta pequena refelexão para introduzir o motivo que me fez quebrar o silêncio que tem pautado a minha colaboração neste blog. Um pretexto simples: o vídeo que foi publicado imediatamente antes deste "post".
Primeiro ponto: não nego o principal (único?) mérito do vídeo, que é o de fugir à indiferença. Estamos perante um daqueles casos em que o visionamento da obra nos confronta com a obrigatoriedade de formular uma opinião. Embora não estejamos perante algo de visionário ou absolutamente novo (o universo contextual "La Haine" e o registo de filmagem "Smack My Bitch Up" são influências/colagens demasiado evidentes) é virtualmente impossível contactar este vídeo sem achar que é "bom", "mau", "odioso", "interessante", "fixe" ou "vomitável".
A mim, por exemplo, esta suposta peça de arte provocou-me de imediato uma sensação de repulsa completa. E "obrigou-me" a escrever isto
De forma resumida, acho que é um exercício absolutamente lamentável. Uma apologia barata da violência, sem qualquer justificação plausível por parte do artista que concebeu a ideia ou dos artistas que a aprovaram. E não, não se trata de adoptar uma posição de Velho do Restelo ou de condenação à influência perniciosa que estes exercícios podem ter nas crianças que os vêem. Trata-se mais depressa de sugerir aos estilistas desta obra que, por exemplo, filmem as respectivas avós de pernas abertas enquanto um maçarico lhes queima os lábios das respectivas vaginas. Também é forte, também dá polémica, também causa emoção. E introduz, face a este vídeo, o "plus" de ser, enquanto filme, algo de conceptualmente novo.
Há dias, numa daquelas conversas em que bebemos todas as palavras dos ensinamentos que nos são dados gratuitamente, um certo sujeito despertou-me o cérebro para a luta da criatividade contra a dimensão do banal. E entre os inúmeros exemplos que foram colocados em cima da mesa, um destacou-se: a necessidade de conhecer as regras para poder quebrá-las. Sem conhecer as regras, sem poder quebrá-las, não se cria nada de novo. Repete-se.
Ao ver este vídeo essas palavras vieram-me à cabeça. Porque o vídeo, embora envolto na presunção de que se estão a quebrar convenções sociais, num embrulho de rebeldia, contestação e ruptura, não passa disso mesmo: repetição. O que este vídeo pretende é assumir-se como monumento de uma geração incompreendida e fodida pelo meio socio-económico envolvente. Mas o que ele faz é baralhar e dar de novo. Baralhar e dar de novo. A violência pode incomodar, pode ser visualmente poderosa, mas não mascara a falta de ideias. No limite, pode permitir baralhar e dar de novo.
Deduzo, aliás, que a ideia que atravessou toda a cadeia de produção deste vídeo se tenha traduzido por uma excitação do género "pá, que cena radical que estamos a fazer... isto vai ser censurado pela MTV e vai dar polémica, pá". Acredito genuinamente que tenha sido esse o mote de toda a produção. O que, convenhamos, é pouco. E é triste. Quando um canal anestesiante de massas como a MTV, absolutamente inócuo em termos de criatividade, se impõe como regra a quebrar, acho que fica tudo dito. Ou visto.
E o que eu vejo aqui é uma tentativa falhada de "partir a louça". É como, por exemplo, ir caçar faisão com uma metralhadora. Ou seja, provavelmente abatemos o bicho, mas depois não podemos comê-lo. Este vídeo é um pouco isso. Violência gratuita. Rebeldia sem causa. Estupidez.
Tuesday, May 06, 2008
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