Friday, March 14, 2008

Joseph e eu no plano A

Joseph k. quisera, na altura, ser meu amigo. Um capricho anómalo, bem sei, mas que anuí sem dificuldade. Pegou na minha mão e conduziu-me pelos corredores do tribunal. Por entre aquelas paredes frias, segui o passo de K. Dizia-se sozinho, e teria de o acompanhar. Era prudente da minha parte fazê-lo, revelava-me. A seguir, pediu o meu silêncio, a minha maldita reserva. Consenti, mais uma vez. Eu tinha 17 anos e estava a entrar no mundo de Joseph, ou melhor, de Kafka. Para dizer a verdade, as afinidades eram poucas. Questionei-o acerca disso. mas sem efeito. Deixou-me sem resposta, retribuindo-me apenas a eloquência sombria do olhar. Achava aterrador o ar diligente e circunspecto do oficial de justiça que acabava de se dirigir a nós
- Senhor K, acompanhe-me - ordenou o homem alto de bigode, sem antes me lançar um olhar de reprovação - O rapaz terá de permanecer aqui!
K desprendeu-me a mão. Senti-me abandonado e em pânico, sem perceber o sentido da minha presença ali. Aliás, defraudado por o meu amigo Joseph me abandonar. Quando me virou as costas, após um sussurro desagrável daquele homem sombrio, averiguei-lhe a silhueta e, por instantes, julguei-me na presença de Grão Preto, o personagem do grande escritor espanhol Gonzalo Torrente Ballester, que já havia incarnado as mais variadas e míticas personalidades. Segundo acabaria mais tarde por me provar Ballester, a mais desagradável de todas elas fora inquestionavelmente a de um medíocre teólogo de Salamanca que, como se não bastasse estar pouco talhado para os densos raciocínios acerca de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, acabaria ainda por sofrer das mais terríveis maleitas físicas. Sífilis, sem dúvida, fora uma delas. Talvez por isso o tenham um dia aconselhado a tornar-se judeu.
À saída da sala de audiências, confrontei K com a minha suposição. Disse-me que não. «Grão Preto fica reservado para mais tarde e, com ele, hás-de celebrar o corpo de uma mulher.Mas não enquanto for aquele errático e desprezível teológo de Salamanca, descansa». Sem adiantar mais, acabou por me dar de novo a mão. Olhei para cima e sorri. Um vulto acabara de passar por nós. Parou e disse: «É bom estares na presença do senhor Joseph. Gostava que soubesses disso» À medida que as suas palavras se desfiavam, o rosto desfigurava-se, o som daquelas sílabas tornava-se metálico. «Mais uma vez te digo, é bom estares na companhia dele». Gritei de pavor e ela ausentou-se, não sem antes esboçar um sorriso de condescendência que ainda distorcia mais a sua face. «É bom que fiques na presença do senhor Joseph K». Estas palavras não paravam de ecoar na minha cabeça.
Olhei para K, como que a pedir auxílio. E foi aí que percebi que este não podia fazer nada por mim, pior, por nós. «É muito bom que estejas com ele, repito». A voz dela tornava-se cada vez mais sonora e agressiva dentro de mim.
- Joseph, o que nos une?
- Talvez não saibas, mas ainda é cedo para revelar.
Antecipei-me.
- Sei Joseph, é o absurdo. E é por isso que nos condenamos a ficar aqui!

1 comment:

Anonymous said...

Great work.