Thursday, November 30, 2006

Entrada numa futura enciclopédia literária



Numa viagem ao futuro foi encontrada uma entrada numa enciclopédia erudita sobre a nova geração de 70 em Portugal; esqueçam lá os Anteros que, de momento, o que importa é essa corrente que se tornou vanguardista quando já ninguém acreditava em vanguardas pelo facto da pós-modernidade ser considerada como a Era do «isso já foi feito», com uma propensão vincadíssima para o pastiche, como foi referido por Frederic Jameson num livro que já li em tempos, mas que, de momento, não me recordo o nome. Dessa entrada consta o seguinte:
A nova geração de 70 que nos circuitos de sociabilidade mais populares era comummente referida como a geração enrabada e pelos germanistas - refiro-me àquele chato que escrevia textos intragáveis no Mil Folhas, João Barrento - como a "enrabada Erzeugung" é, a todos os títulos, a geração literária mais insólita e inovadora desde a aparição dos modernistas em Portugal. Apesar de terem crescido e vivido num contexto histórico de enganos, ilusões e equívocos, os seus membros, ao contrário dos neo-realistas, não transpuseram para a sua obra nem temas nem conteúdos de cariz político e social, tendo chegado mesmo a criar alguma aversão àquilo que os franceses designam por escritor engagé, figura tão defendida pelo existencialista zarolho Sartre que, por sinal, teve um funeral mais aparatoso em termos de adesão popular do que a Amália, o Cunhal e o Eusébio. São estas injustiças que vão manchando a marcha da história e nos vão provando que, afinal, o Homem é uma criatura imperfeita que se aproxima menos de Deus do que dum esgoto rodeado por Fubus de chapéus da Nike na Buraca.
Mas voltemos ao que realmente interessa. Nascidos no período revolucionário em Portugal, os membros dessa geração que não pertenciam à Noblesse d'État cresceram, contrariamente a muitas das gerações anteriores, na estúpida ilusão que isto de vingar na vida não era só ler, escrever e contar e, em vez de terem aderido em massa aos trabalhos rudes do campo que continuassem a fazer prevalecer a sua imagem de Homo Broncus de unhaca grande no dedo mindinho, típico das terras lusitanas, trilharam o caminho da sabedoria e do conhecimento que a geração anterior, já bem instalada na vida, os fez acreditar que iria conduzir o país rumo à modernidade e à bonança. Mas eis que já maduros, após a invariável leitura de autores importados, porque os de cá, como sempre, produzem as suas obras como espécies de compilações de notas de rodapé de autores estrangeiros, chegam à triste constatação que o ideário da Terceira República não passou de mais um malogro histórico deste país já tão habituado a Condes da Ericeira e a desaires suicidários. Já conscientes que a teoria das vantagens comparativas de David Ricardo, curiosamente descendente de portugueses, estaria para durar, aperceberam-se que, ao nível da tecnologia, o melhor era deixar a coisa para quem realmente a soubesse fazer, como os japoneses, os americanos, os filandeses e até mesmo os espanhóis, e contentarem-se com as ridículas descobertas científicas dos investigadores portugueses, normalmente relacionadas com a forma mais ergonómica de fazer ressonâncias magnéticas de modo a descobrir-se o bacilo de Bremen na zona lombar, de Bremen, precisamente por ter sido descoberto nesta cidade hanseática alemã.
De tudo o que foi aqui dito, deduz-se que, inversamente ao que lhes fora prometido, continuaram a viver numa pobreza atávica, o que para estes marginais da sempre anacrónica Noblesse d'État portuguesa, constituiu-se como uma oportunidade única para se lançarem na mais destemida aventura demiúrgica de que há memória em Portugal. Tiradas as informais fotografias, como o fizeram os surrealistas em França, lançaram mãos à obra e fizeram desabrochar o seu génio, todo ele carregado por uma espécie de revolta resignada. E as perguntas que se impõem por agora são as seguintes: será que a impostura por eles vivida fez com que se tornassem escritores revolucionários com ambições de mudar o status quo tipicamente nepotista da sociedade portuguesa? A resposta descamba aqui num rotundo não; será que esse mesmo contexto favoreceu a criação de uma nova geração de vencidos da vida? A resposta descamba de novo para outro não menos rotundo não; então de que era, afinal, constituída essa cepa de diabólicos escritores? A esta última pergunta não há resposta consensual possível, visto que vivendo em condições propícias para uma nova espécie de realismo literário, refractaram-se estranhamente a essa via e, em vez de temas tão clássicos como a iniquidade e a corrupção perpétua existente no seio da sociedade portuguesa, resolveram sublimar a coisa e num estilo estranhamente metafórico para uma sociedade aberta, enveredaram por temas tão insólitos como o fazer cócó Edipiano, ou seja: «estou-me já a cagar para a política e para a figura do pai e nosso Deus que é o Estado»; betoneiras libidinosas em homenagem ao autor de culto desta geração, a saber, o magno e não menos excêntrico Karl Butolwsky; sanitas voadoras que indicavam o desejo recalcado de que toda a excrescência existente por cá fizesse uma volta ao mundo não em 80, mas nos restantes dias da sua acabrunhada existência, e assim por diante. É claro que este grupo literário sempre recusou estas interpretações de vinculação política, porém, os mais engenhosos exegetas não deixaram de atribuir a estes excelsos conteúdos metáforas de carácter político e ideológico. Para finalizar o artigo, há ainda a referir que assim como eram originais no estilo e no conteúdo, também eram irascíveis na forma como tratavam os seus adversários, tendo ficado célebre o episódio em que após ter sido comunicado por mail a um dos seus membros a recusa de uma oferta emprego, este recorre ao mentor Butolwsky e responde citando-o da seguinte forma: «O triunfo seminal de cada conquista encontra-se no crepúsculo das coisas desordenadamente equivalentes». Embora lhes fosse alheia na propriedade, não tendo sido pagos os respectivos direitos de autor à família Butolwsky, esta frase constituiu-se como o cânone maior e eterno desta geração drasticamente simbólica.

Monday, November 27, 2006

Quando soube, fiquei sinceramente triste

Adeus, nosso querido e rebelde surrealista. Só tu poderias criar um poema tão belo como este:

entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barco
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsinor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar"

Mário Cesariny

Saturday, November 25, 2006

O enterro de FP

Acho tremenda piada que digam que não gostam de apanhar com dub em cima. Bem sei que depois de mais um verão a ouvir, noite após noite, no bar das capirinhas e não só, reggae de terceira mal amanhado em álbuns repetidos do início ao fim, os ouvidinhos começam a queixar-se. Mas daí, até pôr tudo no mesmo saco vai uma distância.
Embora o FP saiba que há distinções a fazer e ambientes a separar, a verdade é que com os seus ódios de estimação, é tudo preto ou branco. Não há cá cinzentos, castanhos e o azul nem por sombras. Reggae é dub, dub é reggae e o resto é mais um exemplo da catalogagem imparável que obrigatoriamente tem que se fazer com tudo. Assim se faz com o ska, rocksteady, dancehall, roots, dub ou agora com a vertente do dubstep.
E, num sentido mais amplo, quanto a esta última forma de reggae, é engraçado quando me pergunta enquanto ouve no carro: ihhh, isto é Burial, é demaaais! Tu curtes?
Eu rio...

Como hoje não apetece escrever

Toob Live Show


Por vezes, eu e o Jorinhs temos estas partilhas salutares (desde que não me mandes com dub para cima, sempre tudo ok!). Ele deu a boa nova de Tobin, eu mostrei-lhe este som que considero a todos os níveis brilhante. Eu diria mais, orgiático, para usar um vocabulário mais ao meu estilo. E, como hoje, não estou com cabeça para escrever, nada como partilhar com os nossos poucos leitores coisas boas e que nos agradam. Sim, porque aqui na Trissomia a malta tem bom gosto. De qualquer das formas, para a Isa e para o Jorinhs, está prometidíssimo o post sobre os Fubus e sobre a Nikita. É que a coisa tem de ficar esmerada porque esta Nikita merece. Quem se eleva a esse estatuto, merece da minha parte todos os panegíricos possíveis Coisa rara!

Taxidermia



Tou com sorte... a espera aguenta-se com o single de estreia "Bloodstone" do seu novo álbum e com esta Hungrice de Gyorgy Palfi.
Um grotesco conto de três gerações de homens de uma familia muito peculiar. Ao que parece, um deseja amor e dispara fogo do pénis, o outro sucesso como um obeso desportista do speed-eating e o taxidermista do filme que anseia a imortalidade.
Pois tá claro, a banda-sonora só podia ser Tobiniana...

Amon Tobin - Foley room


Génio da manipulação do som, Amon Tobin editará o seu novo álbum em Março do próximo ano. E, próprio dos teasers, este só pode estar a meter-se comigo. Não é que vou ter que ficar com esta batida a martelar na cabeça?!
Agora, os sons vêm da rua, gravados com microfones altamente sensíveis e vão desde as cordas do Kronos Quartet até às cantigas entre vizinhos durante o banho, ao rugir do tigre ou o simples som da formiga que come a relva ou dos gatos a refastelarem-se numa refeição de ratos.
Depois, só como o brasuca sabe, tudo é partido, desmontado e, como que numa fábrica de "asamplagem", as peças distorcidas unem-se entre batidas frenéticas ou jazzísticas, produzindo os ambientes únicos a que nos habitou.
Todo o processo estará documentado o que torna ainda mais interessante descobrir os segredos por detrás dos sons.
Despacha-te Março!

Friday, November 24, 2006

Correcção

Um dos posts anteriores continha uns quantos erros que já emendei. São os efeitos da escrita com raiva.
A diferença entre o intelectual francês e o português: o francês escreve e pensa; o português produz blogues e aparece nas mais diversas quadraturas, se possível, com o ar mais sério de que for capaz. Ex-moísta, liberal, cosmopolita e urbano.

Proposição das espécies

Aquela coisa do «ela não a vê contigo» é uma maldição teórica da qual nenhum homem jamais conseguirá escapar. O «ela não a vê contigo» até poderia ser uma novela assim a dar para o saloio da TVI com todos aqueles jogos de luta de classes (curioso irem buscar o modelo marxista para escrever argumentos que estão na cabeça de toda a gente), mas não é. A realidade assim o prova, porque quando existe a asserção de que «ela não a vê contigo» estamos perante uma verdadeira evidência epistemológica, uma teoria da verdade que nem a irrefutabilidade das hipóteses Popperiana poderá contra-argumentar. Ou seja, o «ela não a vê contigo» é aquela blindagem produzida pelo superego de muita gente que não se dá ao trabalho de fornicar convenientemente e apenas se vê na situação ad eternum de manter a aparência inócua da sua existência. E as coisas são mesmo assim. Quando se trata de coisas inócuas, não existe contra-evidência possível, não existe uma produção de irracionalismo que ali chegue porque as coisas já são tão evidentes que a teoria das espécies assim como começa termina logo ali.
Quando estas coisas nos chegam à cabeça, nada como adormecer embalado pelo infame filólogo alemão dos bigodes - Also Sprach Zaratustra - porque o irracionalismo é o belo e terrível emergir da fissura pendente.

Thursday, November 23, 2006

Alegações...


Acusado o arguido de estacionar na passadeira, aleguei insanidade. Meretíssimo, quem, no seu perfeito juízo, estaciona o carro numa passadeira? Depois, perguntei as horas ao arguido e disse:
"Não tenho mais perguntas, sôtor!"

Uma ideia fish!

Redundâncias pelo...


O Comité para a Redução da Redundância e Anti-Proliferação da Repetição decidiu não se reunir antes de terem a sua primeira reunião e, assim, não se reunirão antes de se reunirem pela primeira vez.
Deixam aqui o seu primeiro comunicado com mais uma pérola jornalística:
"Tomem atenção porque parece que o tempo vai piorar este fim-de-semana. Especialmente Sábado e Domingo."
Tomarei. Normalmente não faço favores, a não ser que mos peçam. Assim, antes de sair de casa, estarei de olhos postos no céu, a ver se chove. Às vezes, consegue-se observar imenso apenas olhando.

Wednesday, November 22, 2006

Conversas na paragem de autocarro


Hoje de manhã, na paragem do autocarro, ouvi o seguinte diálogo entre duas senhoras na casa dos 40 anos (deduzo que falassem da filha de uma delas):

(...)
- E já não se dão?
- Acho que não... E o rapaz até era comando, já viste?! O que é que ela pode querer mais?

Não tive coragem de intervir, confesso. Mas apenas porque não me ocorreu uma resposta suficientemente boa para ajudar a dissipar a dúvida da senhora. Se quiserem ajudar-me com algumas sugestões, agradeço. Pode ser que amanhã volte a cruzar-me com ela e assim posso dar-lhe umas vagas noções do que uma mulher pode querer mais. Se é que é possível querer-se mais.

Jonathan Glazer - Sony Bravia LCD Television

Jonathan Glazer - U.N.K.L.E. - Rabbit in your headlights (with Thom Yorke)

Tuesday, November 21, 2006

Sessão da noite... Don Don Don

Foi em 2000, que não estreiou o filme de mais um trânsfuga que, como outros que surgiram nesta altura, marcavam a diferença como realizadores publicitários ou de telediscos e deram o salto cinematográfico. Jonathan Glazer e companhia sabiam mais do que apenas embrulhar de maneira espectacular, em regra, hora e meia, o maior dos vazios, sem saber o que fazer com o tempo que lhes foi concedido e mantendo-se fechados no laboratório formal e narrativo da publicidade e dos video-clips.
E, quando não é a história a desafiar as convenções, basta um outro olhar para a diferenciar das restantes. Veja-se o tão banalizado tema do relutante "one last job". Aqui, a obrigação chama-se Don Logan, o persuasor! E a ele obedece-se! Ben Kingsley é o Ghandi do diabo!
Filmam-se pessoas, histórias que vão para além do golpe. Depois, alia-se a imagem ao som, aplicando uma banda-sonora ideal para transmitir a tensão e receio até ao fim. Pelo meio, pequenos toques na arte de filmar fazem o truque e integram forma e função, estilo e conteúdo, numa linguagem própria, cuidado visual e estetismo impecável.
Do melhor que já foi feito e ainda melhor interpretado, mas não para nós...
P.S. - Ouçam os sons do psicopata Kingsley e nos próximos posts exemplos do trabalho de Glazer em videoclip e anúncio...

O meu amigo...

Muita gente pensa que ser gago é algo de mau, um impedimento complicado. Para mim, é como se antes de cada palavra que se esforça por sair, se ouvisse o rufar dos tambores! Subitamente, tudo o que ele tem para dizer, por mais cretino que seja, torna-se na coisa mais importante do mundo. A curiosidade não permite o desvio, toda a nossa atenção é focada para aquela palavra, a última, a que remata o assunto, que nos dá a resposta para este filme de suspense! E o interesse é tal, que partilhamos a dúvida! Entramos num jogo de charadas, bitando palavras como que dois gémeos dizigóticos, até que por fim surge o alívio da solução. E acreditem que nela reside sempre um prazer, mais que não seja porque toda a ansiedade desvanece!
É um jogo, é um filme... e se gostarem de musicais, é pedir pó gajo cantar... no meu caso foi:
Jorinhs, que merda de pi... pi... (pizza? piano? piloto? pintor?) pi... piada! Pois...

Monday, November 20, 2006

afinidade


«La mort n'existe pas en elle-même, elle n'existe que par la douleur qu'elle procure» Vladimir Jankélévitch
Há um título literário que me evoca. É "O Homem sem Qualidades" do Musil. Talvez tenha chegado o momento de partir.

da impossibilidade de amar

Se, hoje, isto de morrer for mais um pouco
fica à espera
que as pedras que trago comigo
sejam o túmulo
do nosso rosto para sempre separado

A controversa Sally Mann


Para quem gosta de fotografia, o trabalho de Sally Mann nunca poderá passar despercebido. As fotografias são de uma beleza contagiante e transbordante, transmitindo muitas vezes algo que está para lá de nós. Sally fez muitos dos seus trabalhos com os seus filhos, conferiu-lhes uma personalidade singular e, por causa disso mesmo, a sua fotografia tornou-se controversa. Os conservadores americanos, com a sua visão sempre boçal e estupidamente puritana das coisas, afirmaram que as fotografias eram escandalosas por se tratar de pura pornografia infantil. Outros, que defendem a fotógrafa, afirmam que as imagens transmitem pureza, o que também não concordo. O que acho é que ao observarmos as imagens, percebemos que já existem contornos e detalhes que atribuem uma maturidade invulgar para uma criança, seja pelo olhar, seja pelo gesto de uma mão. Se Sally Mann erotizou as crianças, fê-lo muito bem, pois não é por vivermos numa sociedade de espartilhos paranóicos que vamos destituir o belo que já existe por si em algumas crianças. Ou queriam que ela as fotografasse com umas blusas às listinhas e uma antenas da abelha Maia? Poupem-me o espírito e a sensibilidade, por favor! O belo é o belo e é para isso que a arte existe. São coisas que já remontam a Platão.

Saturday, November 18, 2006

as crianças

Adam Moore retrata os paradoxos. Como nalgumas imagens do metro de Moscovo, com figuras rústicas e meio mortas, pela sua herança histórica, no meio da modernidade, ou num edifício em ruínas em Berlim - contradição mais gingantesca da união alemã e, no entanto, o legado terrível do seu imperialismo -, aqui, o fotógrafo capta duas figuras: de uma, emana a esperança, da outra, a ausência pura e terrível do olhar que se perde apenas por si. E, ao fundo, temos o rosto da criança que já não é criança e que, no entanto, está no centro, a retirar todo o significado àquilo que os outros dois pretenderão ou não quererão ser.

o corpo outro sem corpo


Alexey Nikishin, capta o corpo como uma máquina, como uma máquina que capta o corpo, como se os orgãos se tornassem híbridos, como se a função explícita estivesse na função latente. Nikishin, aqui, mata, no instante, o corpo com os seus orgãos, fá-los desaparecer e coloca-os aleatoriamente noutro lugar. é essa a estética contemporânea, os corpos terão sempre de andar de forma combinatória com as máquinas.

Tuesday, November 14, 2006

A Família Butolwsky - um projecto para livro

A tese de doutoramento mais polémica dos últimos tempos, curiosamente, não veio de França. Foi acabada de redigir em 1999 por Hans Mann Butolwsky e discutida seis meses mais tarde na reputadíssima Universidade de Heidelberg, onde o seu avô, ainda antes da chegada de Hitler ao poder, já havia ficado célebre com a tese "Os Indivíduos em Concreto - Processos Metafísicos de uma Betoneira Libidinosa».

Karl Butolwsky era um rude Bávaro que, muito embora tivesse tiques de erudito, adorava nas suas férias académicas, quando ainda era assistente de Husserl, ir ordenhar vacas para os Países Baixos, onde se deleitava a pregar valentes palmadas no rabo daquelas roliças holandesas. Conhecedora do feitio folgado do marido, Hannah Butolwsky, filha de um industrial de Munique, quando assistia a estas excentricidades, esboçava um tímido encolher de ombros e continuava como se nada fosse, pois do seu amor nascia a compreensão que era através destes actos de loucura que Karl ganharia a inspiração necessária para rebater em breve todas as teses de Freud. A sua excentricidade ia ao ponto de gritar a plenos pulmões que Freud era um cretino logo após dar uma valente apalpadela no cu de Miki, a rapariga branquinha e de faces rosadas que tratava das vacas na fazenda onde o casal alemão se instalava durante o seu descanso sazonal, desculpando-se depois que lhe causava repugnância ver moscas a rondar e a pousar nas partes mais singelas da moça, pois trazia-lhe à imaginação o famoso médico Vienense a defecar.
Todo este ódio, que alguns dos seus colegas consideravam incompreensível e até escusado, era tão só proveniente do facto de Freud, embora sem sucesso, ter andado a cortejar a famosa e bela Lou Andreas Salomé, o que para Karl constituía um atentado civilizacional, visto que, segundo o seu ponto de vista, o pai da psicanálise não passava de uma reles criatura que dada a penúria na qual vivera na infância, teria criado aquelas teorias ridículas para justificar o seu complexo de inferioridade relativamente aos grandes homens que tinham fundado os alicerces da cultura alemã, tais como, Kant e Goethe. Embora amasse Hannah de uma forma que eu, como narrador, classificaria de amena para a época, quer pela sua imaculada beleza, quer por saber tocar piano e falar francês de forma irrepreensível, Butolwsky sempre que pensava na bela intelectual russa entrava num estado de profunda apatia intelectual e, no paroxismo da letargia, chegava mesmo a confundir Bismarck com Nicolau II, o que para um intelectual alemão tão promissor fazia levantar algumas suspeitas quanto ao futuro e credibilidade da sua obra. Porém, como diz o ditado, por detrás de um grande homem está uma grande mulher, e sempre que ele entrava neste desvario, Hannah berrava-lhe aos ouvidos com um: -«Arrete, Karl, arrete», o que já constituía o prenúncio lexical daquilo que viria a ser, trinta anos mais tarde, prática corrente desse povo exótico situado no extremo ocidental da Europa e que, pelas circunstâncias da fome se viu obrigado a emigrar para a Belle France, ficando até hoje por provar por parte dos antropólogos se chegou a haver esse espantoso processo de sincretismo cultural no que ao croissant com linguiça diz respeito.
[Esta espantosa estória terá continuação num próximo post ou, quem sabe, quando eu a terminar e já estiver composta por nada mais nada menos do que 487 Páginas, vê-la-ão publicada no mini-mercado mais próximo da vossa casa, precisamente, junto à secção dos enchidos].

Monday, November 13, 2006

Finalmente


A Relógio D'Água, cujo trabalho editorial não me canso de elogiar, começa, finalmente, a traduzir um autor que dizem ter tanto de estimulante como de fascinante. Era uma grande lacuna no mercado livreiro português que está a ser agora justamente colmatada por aquela que considero ser a melhor editora portuguesa. Dele, só tive um dia na mão uma tradução brasileira, "O Mal-Estar da Pós-Modernidade" (se a memória não me atraiçoa, é este o título), mas, na altura, por estar com prazos apertados, não tive a oportunidade de o ler. Como este é dos poucos amores genuinamente não "líquidos" que tenho, irei, muito em breve, a correr loucamente para a livraria à procura da compreensão dos meus muito "líquidos" amores. Mas, pelo menos, assumo-o. Há quem não o faça e prefira viver numa longa agonia sentimental. Leiam e percebam o porquê da "economia" conjugal estar em crise.

Quando as ilusões acabam

De Oscar Wilde, saiu um dia qualquer coisa mais ou menos parecida com isto: «O homem que moraliza é, normalmente, um hipócrita». Por mim, digo que não teria sido necessário ler Wilde, pois já há muito que as minhas ilações haviam sido tiradas. É só olhar transversalmente para o tecido social e, quem sabe, se formos um pouco desapegados, um olhar de esguelha para as proximidades deixar-nos-á bastamente elucidados. Mas, por vezes, o melhor mesmo é não dar ouvidos aos grandes homens ou ainda corremos o risco de ficar reféns no erimitério do isolamento. Vão-me desculpar é esta última redudância, mas também elas são necessárias.

Sunday, November 12, 2006

Lenitivo da paixão

Quando estiverem prestes a cair no erro da paixão, do enamoramento, ou que raio se chama essa coisa, captem o melhor ângulo e memorizem apenas o aspecto mais tenebroso e negativo do alvo desse sentimento pérfido. A imagem servirá para vos dar apenas um pequeno empurrão...

Giles Revell


Chupa

Sempre na vanguarda, esta companhia espanhola, além de ter o design para o logo feito pelo surrealista Salvador Dalí, ainda consegue ombrear com a indústria tabaqueira. Foi na década de 80, derivado à baixa taxa de natalidade, que tentaram atrair a faixa adulta para o consumo deste produto. Para mim, conseguiram...

Ataraxia

De todos os "males" que a trissomia padece e que já aqui foram expostos directa ou indirectamente, acaba de me ser aplicado, como quem aplica um estalo, na testa, mais um rótulo: a impassibilidade.
Por um lado, agrada-me ser o sereno epicurista da tranquilidade da alma, da ausência de perturbação, sem transtornos e agitação, sem qualquer inquietação.
Por outro lado, identifico tais termos com a apatia, um estado acomodado, a pender para o catatónico.
Retiro a marca aplicada na testa e afirmo que o domínio de si, o estado de alma que, à primeira vista, se tornou estranho às desordens das paixões e insensível à dor, não rejeita a felicidade, não renuncia ao prazer e à dor. Cedo aos impulsos dos instintos como os demais, mas sou capaz de não exteriorizá-los, não os demonstrar, levando ao pensamento dos outros que me encontro desligado, quando apenas se trata de não permitir a perda do equilíbrio espiritual.
É que, já que as coisas não podem ser de outro modo, o mais sensato é apreciá-las como o são. E se gosto de dizer que me contento com pouco, digo-o no sentido do desfrutar das pequenas coisas e não necessitar de grandes feitos ou acontecimentos para me sentir bem.
Como Ricardo Reis, procuro simplesmente aderir ao momento presente, gozá-lo, sem nada mais pedir. Tal atitude não implica comodismo, apenas o prazer do agora, procurando, é certo sem grande esforço, algo mais.
Mas, sempre me disseram que nasci com o cú virado para a lua.
E eu, nunca discordei.

"Cada dia sem gozo não foi teu
Foi só durares nele.
Quanto vivas
Sem que o gozes, não vives.
Não pesa que amas, bebas ou sorrias:
Basta o reflexo do sol ido na água
De um charco, se te é grato.
Feliz o a quem, por ter em coisas mínimas
Seu prazer posto, nenhum dia nega
A natural ventura!"

Thursday, November 09, 2006

Este é o exemplo perfeito...


... de como uma boa ideia para capa de um jornal pode resumir na perfeição dezenas e dezenas de artigos de análise sociopolítica sobre um acontecimento. No caso, basta uma frase para explicar o porquê do resultado eleitoral que condenou o final de mandato de Bush a uma longa agonia governativa. Às vezes, a explicação mais simples é mesmo a que está correcta.

Uma proposta de contracapa...

“No momento em que tomou consciência da dimensão finita da condição humana, Ubaldo Enes Gonçalves sentiu baquear toda a estrutura que suportava a sua existência. Era a terceira vez que experimentava o fenómeno, com a curiosidade de este ocorrer sempre que acabava de comer alheiras na tasca do senhor Capela. Chegara, por isso, o momento de colocar um ponto final na teoria da coincidência: tornava-se por de mais evidente que o óleo utilizado pela dona Adelaide na fritura dos enchidos tinha o condão de desequilibrar o paradigma da sua essência moral. «Basta!», pensou. «Tenho de investigar esta tramóia». E assim o fez”.

Completamente desfasado do conteúdo do livro, o excerto supracitado configura uma perfeita idiotice, arriscando elevar esta contracapa à condição de momento mais cretino da história da literatura. Seja como for, é opinião unânime que qualquer contracapa fica mais ‘compostinha’ se estiver preenchida com uma mancha de texto. E esse é um feito que já ninguém lhes tira.

Wednesday, November 08, 2006

Mulher Portuguesa

Recebi este mail do Eduardo Esperança que foi meu professor na Universidade e que até hoje ainda me atura. Como gostei do mail e estimo muito quem mo enviou, atrevo-me a partilhá-lo. Aqui vai:
A Mulher Portuguesa

Passou ontem na RTP1 às 22.30, Maria Belo, psicóloga e psicanalista, grã-mestre da loja feminina do grande oriente lusitano em entrevista conduzida por Rui Ramos. Gostei de ver e ouvir.
Ver, porque há muito não a via, desde os idos inícios de 80, em que foi minha professora na Universidade Nova.
Gostei de ouvir e perceber alguém que conhece a cultura portuguesa por dentro, isto é, da experiência e vivência das pessoas que ela observa na rua e com quem fala no consultório. Alguém que se pode dar ao luxo de dissertar acerca da cultura, ao lado e por cima dos literatos, dos historiadores, dos importadores, com mão na genuinidade do que sobrevive no quotidiano e imaginário português.
Gostei de a ouvir falar da mulher portuguesa, do matriarcado nacional «por mais que isto custe às feministas» (sic) ; do peso que a família tem na vida portuguesa e, em particular, a mãe; da infantilidade a que os homens portugueses são reduzidos pelo modelo afectivo materno nacional. D'a mulher portuguesa que nunca chega a ser mulher porque passa directamente de "filha" a "mãe" (dos filhos e do marido).
Gostei de a ouvir falar do modo nacional de estar em "grupinho", e da gestão das fidelidades nos partidos, no trabalho (padrão de acção maternal dos portugueses) que entorpece as instituições e todos os tecidos de poder.
D'a mãe que tradicionalmente proíbe tudo e protege de tudo... e que vai buscar o filho à escola da "voz do operário", ele trás o bibe sujo e ela passa-lhe um tremendo raspanete - "ora, para que é que serve um bibe?!"
O modelo "banana" em que o homem português é encarcerado assim que entra em casa; da cultura portuguesa essencialmente popular e arcaica porque muito antiga, que digere mal todos os estrangeirismos; da fragilidade das elites, precisamente por isto; das espertezas de Salazar no modo de mobilizar as mulheres - o movimento nacional feminino durante a guerra colonial, em que madame Supico Pinto Y sus muchachas aparecem triunfais e resplandecentes a dirigirem-se às tropas e a voar de helicóptero sobre a mata e, do outro lado.... o soldadito, "adeus mãezinha, até ao meu regresso"!
D'a mãe minhota, que controla tudo em absoluto. D'a inépcia dos portugueses e portuguesas para gerirem o dinheiro - porque nunca o tiveram antes, e ninguém os ensinou. D'a mais recente geração que encontramos agora no Liceu e na Universidade, alheada de tudo, porque não recebeu nada, não quer receber, não sabe receber - quase impossível de ensinar - uma geração ao mesmo tempo hiper-protegida , mas esvaziada de toda a herança cultural e familiar.
Maria Belo está justamente preocupada com as jovens de hoje, que não sabem como vão desinvencilhar-se - como as mães, não sabem o que é ser mulher, mas o pior é que nem sequer aprenderam das mães a ser mães.
Gostei de a ouvir falar dos países mais desenvolvidos do norte da Europa, descendentes de civilizações ainda recentemente bárbaras, mais longe do Mediterrâneo, com culturas mais impostas e de repressão externa (do Estado), e que estão agora a deslocar-se para o "feminino"; Portugal, que sempre viveu no feminino, deveria estar agora a deslocar-se no sentido contrário...

Gostei de ouvir.
E. Esperança

Uma boina criativa

Os textos do Luís Filipe Borges são tão ridículos como a imagem que este quis criar para si próprio; uma boina de palhaço faz rir até os mais descrentes, ou melhor, os menos preocupados com a vida, afinal, aquela boina faz o de si para si, e não me venhas agora dizer como o fizeste à dona de casa Sousa Dias que este é um texto umbiguista, porque o sendo, tu terás o umbigo nos próprios pés que é por onde pensas...tu e a tua afamada boina, ou melhor, o adereço do parvo que és. Como tal, retira-te, deixa-nos um pouco em paz e vai soldar chapa com o mesmo boné que fez de ti uma pessoa digna.

jogo de cores para uma mesma estrutura

mondrian
As horizontais e as verticais definem a estrutura; as cores incitam às vozes. mondrian estetizou o quotidiano e, no entanto, ficou prisioneiro de si...

regresso e pensamento


O espaço iluminista morreu? Haverão afinal imagens por toda a parte que deixam a nossa razão ou entendimento manietados por um ritual de sacrifício vibrante nas imagens loucas que se manifestam em nós como uma linguagem que está num espaço privado que não é o nosso?! quem quiser pensar que se esqueça porque, afinal, o primeiro e último pensamento está nos sentidos; restará apenas indagar o sentido obscuro, pois, para além disso, o real morre em si próprio e nas circunstâncias que lhe convém.
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Sonhos

Decidi deixar de perseguir os meus sonhos... combinei um sítio e encontro-me com eles lá...

Sunday, November 05, 2006

Jogos

E, de entre a multidão, ao ver que o enforcado era uma pessoa com os membros amputados, decide gritar pelas letras que faltavam...

Trabalhar bem... com tranquilidade...

Friday, November 03, 2006

Sou só eu a achar isto ou...

... é mesmo verdade que o programa A Revolta dos Pastéis de Nata evoluiu de um formato razoavelmente mediano para uma coisa perfeitamente estúpida, sem ponta por onde se lhe pegue e com momentos de alegado humor que chegam a roçar o insulto à inteligência das pessoas?

Tendo em conta o público que adorna o estúdio durante as emissões, e analisando o aparente sucesso do programa, arrisco uma constatação: esta fasquia de registo humorístico satisfaz uma certa juventude portuguesa que, não se revendo na boçalidade de um Fernando Rocha, também não é possuidora de bases que lhe permitam rir de tudo o que vá para além da piada fácil, do óbvio, da patetice pela patetice, da banalidade...

Em suma, meus amigos, eis-nos perante a antecâmara da próxima geração de Malucos do Riso. Bastará esperar pela década de 20 do século XXI para confirmar esta teoria. É certo que, nessa altura, as meninas e os meninos queques que hoje compõem o público deste programa já não serão tão jovens, recém-licenciados e, por isso, tão dependentes do dinheiro dos papás para ter a camisa da Ralph Lauren ou conduzir o jipe, o Audi ou o BMW da moda. Mas continuarão, invariavelmente, a sentar-se em frente à TV no final do jantar, para rir da piada fácil, do óbvio, da patetice pela patetice, da banalidade...

Vai uma aposta?

Helter Skelter

Claramente influenciado por uma série manhosa que ontem tive o desprazer de acompanhar por momentos na RTP1, hoje não consigo tirar da cabeça os primeiros momentos de uma das minhas músicas preferidas dos Beatles.

É nestas alturas que tenho pena de que a vida não seja como os musicais. Isto porque acredito que se desatar a gritar a letra aqui no trabalho, é mais provável ser despedido do que ser acompanhado pelos colegas numa coreografia perfeitamente coordenada, mesmo sem ensaio prévio...

When I get to the bottom I go back to the top of the slide
Where I stop and turn and I go for a ride
Till I get to the bottom and I see you again
Yeah, yeah, yeah

Do you don't you want me to love you
I'm coming down fast but I'm miles above you
Tell me tell me come on tell me the answer
and you may be a lover but you ain't no dancer
Go helter skelter
helter skelter
helter skelter
Yeah, hu, hu